O futuro apenas como resposta a um amigo

Por Alex

Muito já escutei, proferido por bocas jovens e nem tão jovens, de que os “bons tempos” para viver-militantemente eram os passados, que nossa época é apática e alienada. Pode ser. Porém, meu processo de instrução e participação política consciente se deu “tardiamente”, na vivência da Universidade (antes se aproximava mais de pulsões de inconformismo mesclado com caridade), com companheir@s que logo no primeiro contato não me diziam “oi”, mas: “Deus está morto! Foi você quem o matou?”; nas infindáveis discussões, que invariavelmente atravessavam a noite e invadiam a madrugada que se cansava de tanto blá-marx-blá-anarquismo-blá-bakunin-blá-zapatismo e dava lugar a manhã. Foi neste ambiente que, além do contato teórico, passei a vivenciar outras práticas, às vezes de modo mais dolorido, outras vezes de maneira tal que já parecia constituir parte do meu ser.

Mas o fato é que ao mesmo tempo em que um novo mundo se descortinava a minha frente, dos conflitos, das contradições e das mudanças, eu passava a ver o mundo a partir desses princípios e a procurar nele os símbolos que tanta agitação e angústia haviam me tocado.

Ainda hoje “estudo” (e mais aprendo do que pesquiso) grandes expoentes do anseio dessa mudança, EZLN, MST, MTDs. Talvez como uma maneira de manter viva a chama de indignação e revolta, de perceber que “é possível outro mundo, outra vida”, de tentar fazer, um pouco que seja, parte dessa ponte que liga rebeldias e esperanças. Correndo o risco aí de idealizar a própria realidade.

Contudo, ao visitar esses movimentos, ao conhecer os personagens dos livros e dos vídeos, ao travar um contato mais direto com “meu objeto”, aliada a dessacralização de tais movimentos cresceu também minha admiração e entusiasmo perante eles e, sobretudo, aos seus atores, às suas tragédias, às suas imperfeições, às suas grandezas. Bem como a percepção do que nós fazemos, do que construímos, de que formas nós resistimos. Assim como cresceram também as poeiras nos livros, conceitos e linguagens (mas isso é tema para outra “blogagem” – ñ é Dany?). A saber, deixo apenas a pista de que eles e nós estamos a escrever a história, e a história não apenas prática e nem apenas teórica, mas a história da práxis que nos movimenta. Seremos nós também velhas toupeiras?

Por fim, tudo leva a crer que a matemática de baixo funciona por outra lógica, e me parece que ao nos dividirmos em geografias e calendários estamos a nos somar com outras rebeldias e a multiplicar as insubordinações. A fragmentação pode ser imposta pelo capital e seus não-modos de vida, mas o ímpeto de permanecermos juntos, ainda que em outras localidades e compartilhando de outros tempos, nos permite fortalecer a resistência que nos une, a nós e aos outr@s.

2 Comentários

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2 Respostas para “O futuro apenas como resposta a um amigo

  1. Pati

    A idéia não era fazer um comentário do seu texto, Alex, mas postar, enfim alguma coisa…..
    no entanto, percebo que ainda tenho limitações no conhecimento tecnológico…..vamos aprendendo!!!(precisamos ultrapassar as barreiras, não é mesmo???)
    Aliás…. ir aprendendo é algo que tenho entendido como uma constância em nossas vidas…. e isso é ótimo!!!!
    Passo, neste ano, por mudanças na vida, como boa parte dos amigos já sabem…e como boa parte também passa… essas novidades todas me colocam a pensar o quanto renovamos e (re)construímos nossos conhecimentos, nossas relações, nosso cotidiano, nossas práticas……
    Persisto, porém, com algumas convicções. Dentre elas de que sim, podemos tornar a realidade mais confortável, mais possível de se viver. E sim, deste “outro” modo de se relacionar com as pessoas e com as coisas da vida…. como fazemos…. Resistência…. Solidariedade…. Persistência….. e como não poderia deixar de falar, Amor… claro!!! rs….
    Conseguimos construir amizades sólidas, companheirismo…. e creio que podemos visualizar, a partir de nossas experiências, possibilidades de liberdade…..
    Mais gratificante do que nossas trocas e aprendizados, tenho percebido que a nossa capacidade de construir e multiplicar é infinita….
    Limitações, temos muitas….. desde saber postar algo no blog, a distância física, geográfica, e às vezes uma distância até ideológica….. O que não muda a crença que temos num futuro melhor, um pouco mais justo. Um futuro onde não precisemos embrutecer, nos fechar em nossa redoma pra não ter que enxergar os males da sociedade e assim poder continuar aquela rotina chata, massificante a qual (imagino eu) todos temos de enfrentar…. Essa crença, somada às outras vontades e necessidades que possuímos nos aproxima…. Depois de um momento da vida, cheguei a conclusão de que não há distância que não possa ser superada… ao menos entre nós… e é por isso que resolvi escrever agora neste blog.
    Um tempo se passou e eu às vezes me vejo sem muitas condições de falar de militância, dado meu distanciamento à todas as batalhas que o pessoal enfrentou, ao menos (pra falar de atualidades) no lance do tribunal popular. Todavia, quero tornar público meus Parabéns e orgulho àqueles que se dedicaram e continuam dedicados a não deixar a engrenagem parar de funcionar….Sem me esquivar, é claro, do compromisso não assumido de minha parte! Tenho certeza que, por mais que tenha ocorrido qualquer problema, o evento foi uma Vitória, e assim serão suas próximas edições….
    Apoio a idéia e espero um relato, no blog, daqueles que estiveram presentes!!!
    Abraços Fraternos e cheios de saudades a Tod@s….
    Patrícia.

  2. coletivosopros

    Pois é Alex, muito interessante seu texto. Mas o que de fato me chamou mais atenção foi a sua metáfora da matemática que ao nos dividirmos, nos somamos e multiplicamos insubordinações. Primeiro por que gostei e depois porque fiquei pensando sobre essa história de sermos multiplicadores. Esse termo anda muito em voga por aí, é discurso unânime desde a direita até as novas esquerdas, principalmente no que diz respeito ao terceiro setor. Qualquer filosofia é ensinada hoje pedindo-se para quem aprendeu, ensinar ao mais próximo, ou seja, multiplicar. De boas intenções e multiplicações (de tudo quanto é tipo de coisa) é que o inferno está cheio … rsrsrs
    Mas enfim, estou a fazer esse percurso porque essa idéia do significado do signo estar ligado ao discurso em que ele é empregue, ou melhor, depende do ponto de vista de quem o utiliza acaba nos levando a um extremo relativismo das coisas também. Fala-se de tudo com as mesmas palavras, o Obama falando de democracia e o MST proferindo democracia, e todos têm razão, afinal depende do contexto, apesar de certamente estarem falando de coisas radicalmente diferentes. Mas fico a me perguntar, seria então, reivindicar o sentido verdadeiro das palavras? Mas qual seria esse? Acho que também não é por aí, até porque a nossa luta não é linguística, não se restringe a disputa pela palavra. Não, ela é a práxis, e as nossas práticas é que vão conferir significado a elas. Poderia se perguntar então: não seria a mesma coisa que querer conferir um sentido real para algo? Pode ser, porém o que importa é inventar o novo, “as relações sociais de novo tipo” e para isso, provavelmente precisaremos e criaremos um novo vocabulário, ou talvez novas formas de se falar sobre algo. No caso dos zapatistas, “não deixarás que morra a flor da palavra”, alguma coisa desse tipo (vc, alex, me corrija por favor) é interessante porque ao subcomandante Marcos utilizar a palavra enquanto forma de resistência ele está apenas ilustrando as práticas das comunidades que ele representa, ao mesmo tempo que se apropria de técnicas como o rádio e produção de livros infantis, realiza formas alternativas de discurso como misturar poesia com palavras de ordem, dialetos indígenas para atingir seu povo, mas também falar de tal maneira que sensibilize pessoas de diversos lugares do mundo que se solidarizam com a causa. Daí é que está o poder do trabalho de “formiguinha”, as relações internas nesses movimentos conferem certa propriedade para aqueles que falam sobre eles, pois as palavras não morrem porque as práticas dessas pessoas não acabam, elas estão ali, como insurgentes que resistindo ao sistema, dividem o México, mas multiplicam indignações. E novamente me ponho a pensar, nós mesmos, no Sopros até podemos estar fragmentados, lógico que travar o contato presencial é sempre melhor. No entanto, as ferramentas que temos disponíveis para nos aproximar e manter nossa comunicação precisam ser apropriadas por nós mesmos e, assim como você, não entendo essas distâncias como um problema, ao contrário, as vejo como um dos componentes que enriquecem ainda mais nosso pequeno universo de resistência, o contato de um que passa p/ outro, a vivência de tal compartilhada com todos, as experiências de cada um aumentando nossas perspectivas e as peculiaridades do local de onde estamos a observar o mundo…

    Beijos e abraços virtuais, porém reais,
    Dany!

    PS: Impressões minhas sobre o zapatismo fundamentadas simplesmente em nada, portanto, você como estudioso do movimento me corrija se for o caso.

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